O problema da classificação internacional das cefaleias mesmo na sua mais recente versão em relação a cefaleia cervicogênica é antigo. Militando nessa área há 39 anos pude acompanhar de perto essas discussões desde o nascimento da classificação ate os dias de hoje. Essas discussões se tornam relevantes se tornam relevantes principalmente agora que temos uma quantidade imensa de profissionais da saúde tais como fisioterapeutas, osteopatas, quiropráticos, por exemplo, trabalhando com pacientes portadores de dores de cabeça.
Olhando aqui na minha biblioteca livros mais antigos deparo-me com uma edição do Wolfs Headache and other Head Pain e la encontro na edição de 1980 que já havia uma tentativa, no seu primeiro capitulo, de classificar as cefaléias. A primeira classificação da IHS só saiu em 1988. Logo depois, em 2004, veio a IHS II e em 2018 a atualização com a IHS III.
Vejo muitos progressos em relação a classificação para diferentes cefaleias. Entendo também os esforços quase hercúleos que vem sendo feitos para aperfeiçoá-la, mas em relação a cefaleia cervicogênica temos descrições antigas, que nunca fizeram parte da classificação e que penso serem mais precisas do que as atuais.
Durante anos trabalhei com o com o professor Maurice Vincent que havia feito seu doutorado na Noruega e seu orientador era nada mais nada menos do que o professor Sjaastad, ou seja, a pessoa que cunhou o termo cefaleia cervicogencia.
Claro que muito antes já haviam varias descrições sobre “neck related headaches”.
Hilton já havia mencionado casos similares em 1860-1862. Autores como Robert Maigne, um fisiatra francês, descreveram tempos atrás padrões muito similares aos da classificação. Outros usavam nomes diferentes como síndrome simpático-cervical posterior de Barre-Lieou ou migranea cervical descrita por Bartschi-Rochaix. Mariano Rocabado um fisioterapeuta chileno tem um capitulo em seu livro Cabeza y Cuello (1979) onde agrupa esses quadros clínicos como algias craniais ou faciais de origem cervical.
Por causa dessa miscelânea de diagnósticos, Sjaastad pensou em critérios que seriam publicados em uma classificação que atendesse a um grande grupo de pessoas e que receberiam o nome de cefaleia cervicogênica. Após a publicação de critérios diagnósticos lá pelos anos 80, e mesmo com o aperfeiçoamento desses critérios ainda existem controvérsias em relação ao quadro clínico, diagnóstico diferencial, fisiopatologia e tratamento da cefaleia cervicogênica.
Uma revisão interessante do professor Maurice Vincent e que recomendo para os que gostam de aspectos históricos é “CERVICOGENIC HEADACHE JOSEY’S CASES REVISITED” que foi publicada em 1977 nos archives of neuropsiquiatria.
O que é interessante é que algumas observações de Josey se enquadravam nos critérios propostos por Sjaastad como cefaleia unilateral com desencadeamento mecânico da dor de cabeça especialmente por posições mantidas da coluna cervical , sintomas matinais devido provavelmente a posição de dormir.
Os critérios iniciais propostos por SJAASTAD INCLUIAM:
- Sintomas e sinais de envolvimento no pescoço com:
a) a precipitação de dor na cabeça, semelhante geralmente ocorrendo por:
(1) pelo movimento do pescoço e/ou sustentado posicionamento de cabeça estranho, e/ou:
(2) por pressão externa sobre a parte superior região cervical ou occipital no lado sintomático
b) Restrição da amplitude de movimento (ROM) no pescoço
c) Dor no pescoço, ombro ou braço de natureza não radicular bastante vaga ou, ocasionalmente, dor no braço de natureza radicular.
CARACTERÍSTICAS DA CEFALEIA CERVICOGÊNICA
Descrita como de moderado-grave, não pulsante, e não lancinante , geralmente começando no pescoço. Episódios de duração variável ou dor continua flutuante (variando em intensidade).
Outras características com alguma importância incluem:
- Efeito marginal ou falta de efeito de indometacina ou falta de efeito de ergotamina e sumatriptano
- Maior prevalencia no genero feminino
- Muitos pacientes relatam a ocorrência de trauma na cabeça ou pescoço indireto pela história
Outras características de menor importância incluem (alguns fenômenos relacionados a crise, ocasionalmente presentes, e/ou moderadamente acentuados quando presentes tais como):
- Náuseas
- fonofobia e fotofobia
- Tonturas
- “Visão borrada” ipsilateral
- dificuldades em engolir
- edema ipsilateral, principalmente na área periocular
Esses fenômenos lembram a descrição da Síndrome de C2 ensinada nos cursos de Maitland.
Para que se possa entender com mais profundidade o porquê da escolha dos critérios propostos por SJAASTAD devemos considerar os comentários feitos por ele em relação aos diferentes itens propostos e que justificam sua inclusão. As áreas a partir das quais a dor ou mesmo os ataques podem ser precipitados parecem ser bastante bem definidas, ou seja, a partir das inserções tendinosas na área occipital, a partir do curso do nervo occipital maior, do sulco imediatamente atrás do processo mastóide, e a partir da parte superior do músculo ECOM. A última localização provavelmente correspondente ao nervo occipital menor. Não há informações adequadas sobre se os ataques podem ser precipitados por pressão contra as articulações da faceta cervical. Hoje já temos fortes evidencias de que através de técnicas manuais podemos reproduzir esses sintomas mas não tínhamos quando foram elaborados esses critérios.
Dessa forma os bloqueios (e/ou os procedimentos provocativos) devem estar relacionados com nervos e estruturas suspeita de mediar ou causar a dor. Bloqueios, por exemplo, dos nervos occipitais maior e menor ou da raiz C2, ou terceiro nervo occipital, articulações da faceta ou das raízes cervicais inferiores no lado sintomático ou combinação deles deve praticamente abolir a dor. Como regra geral, apenas um nervo ou raiz deve ser bloqueado de cada vez, uma vez que a identificação da estrutura patológica crucial é um tarefa principal. Quando os bloqueios solitários não mudam a dor, combinações de bloqueios devem ser tentados. De preferência, usar pequenas quantidades do agente anestésico devem ser empregadas (0,5 a 1 mL), a fim de evitar anestesia de estruturas vizinhas e, assim, ofuscar os resultados. A dor pré-bloqueio deve de preferência chegar a 40% do máximo dor ou mais.
Efeito de bloqueio positivo é um componente obrigatório da rotina científica e, preferencialmente, de rotina exame de diagnóstico. O efeito é transitório, e mais importante, a dor é drasticamente reduzida em áreas não anestesiadas, por exemplo, a área frontotemporal, onde a dor geralmente é acentuada.
As dores de cabeça tensionais não são afetadas por esse procedimento. Se casos bilaterais forem aceitos, devem ser realizados bloqueios bilaterais. Em contextos científicos, pode ser aconselhável comparar o efeito de anestésicos curtos e duradouros de forma cega.
Lateralidade da Dor
No caso típico, a dor é unilateral, mas pode se espalhar pela linha média durante episódios de dor severa, ainda com uma preponderância no lado habitual. Para o trabalho científico, esse tipo de unilateralidade deve ser usado como uma Diretriz.
Para o trabalho de rotina, pacientes com dor de cabeça bilateral (“unilateralidade em ambos os lados”) podem ser aceitáveis. Nesse caso, devem ser comparados pacientes com dor bilateral e unilateral. Grande cautela deve ser exercida para não incluir pacientes com dor de cabeça de tensão na dor de cabeça cervicogênica.
Outro ponto importante negligenciado na classificação atual e proposto por Sjaastad diz respeito as características e comportamento das dores: os episódios de dor e exacerbações geralmente começam no pescoço, eventualmente se espalhando para a área óculo-fronto-temporal, que é área do trigêmeo, no lado sintomático. Durante a crise a dor fronto temporal pode ser tão forte quanto, ou mais forte do que, a dor pescoço/occipital. Em alguns casos pode se observar paralelamente dor facial ipsilateral. Há um padrão episódico de dor porem bem diferente do que encontramos na cefaleia em salvas.
A crise pode durar alguns dias ou raramente semanas, às vezes apenas uma hora ou duas, mas mais frequentemente esse tempo é maior do que a enxaqueca sem aura. Uma variação individual é bem característica e pode haver um padrão de dor continua flutuante.
Um ponto importante que precisa ser melhor esclarecido é quanto a resposta aos medicamentos. Como esse ainda é um ponto duvidoso não deveria fazer parte dos critérios, ao meu ver. A resposta favorável a indometacina em alguns pacientes e a não resposta a medicação que responde bem para as enxaquecas (sumatriptan) precisa ser melhor compreendida para que conste como critério.
Por isso mesmo entendendo que os critérios propostos pela IHS apresentem progressos, nas últimas classificações pensamos que o que se deveria ter feito era aperfeiçoar os critérios já descritos por Sjaastad, pois são mais aplicáveis a uma realidade especialmente daqueles que são fisioterapeutas e terapeutas manuais, ou seja as pessoas que tem mais contato com a avaliação da coluna cervical. Qual será o futuro da cefaleia cervicogênica?
Palmiro Torrieri – Equipe Head & Neck Fisioterapia
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